Victor Lafay ‘condenou’ hoje Wout van Aert ao seu inevitável destino, ao negar ao ciclista belga da Jumbo-Visma a vitória em San Sebastián, graças a um audaz ataque no último quilómetro da segunda etapa da 110.ª edição do Tour de France.
Aos 27 anos, o ciclista francês da Cofidis conseguiu o maior triunfo da carreira, porque se atreveu a tentar a sua sorte com um ataque já nos derradeiros metros da mais longa tirada deste Tour, ao qual a Jumbo-Visma, que tanto trabalhou durante toda a jornada para levar Van Aert à vitória, erradamente não respondeu.
“Acreditei até à linha”, resumiu Lafay, que cruzou a meta após 04:46.39 horas, com o belga imediatamente nas suas costas. ‘WVA’, que hoje bem se pode queixar da falta de colaboração do seu líder Jonas Vingegaard, consolidou, assim, o seu cada vez mais firme estatuto de eterno segundo do pelotão internacional, impondo-se a Tadej Pogacar (UAE Emirates) no sprint do grupo de favoritos.
O bicampeão do Tour (2020 e 2021) foi mesmo o outro grande vencedor da segunda tirada, já que subiu ao segundo lugar da geral, a seis segundos do seu colega de equipa Adam Yates, a mesma diferença que o britânico tem para o seu irmão gémeo Simon (Jayco AlUla), agora terceiro.
“Fizemos um bom trabalho. […] Se o Tadej tivesse ganhado a etapa, ter-me-ia passado na geral. Mas, no final, foi um bom dia para a equipa”, resumiu o camisola amarela, antecipando que a terceira etapa, uma ligação de 193,5 quilómetros entre Amorebieta-Etxano, ainda no País Basco espanhol, e Bayonne, será presumivelmente “mais fácil, pelo menos no papel”, depois de hoje ter enfrentado uma jornada plena de ondulações no percurso.
Estavam decorridos oito quilómetros da ligação de 208,9 quilómetros entre Vitória e San Sebastián quando o camisola da montanha Neilson Powless (EF Education-EasyPost), o francês Rémi Cavagna (Soudal-Quick Step) e o norueguês Edvald Boasson-Hagen (TotalEnergies) fugiram.
Ciente de que pela frente teria a etapa mais longa deste Tour, o pelotão deu ‘luz verde’ à fuga e permitiu que rapidamente o trio alcançasse três minutos de vantagem, uma margem que foi crescendo até aos cinco com o beneplácito da UAE Emirates, equipa do camisola amarela Adam Yates e do camisola branca Pogacar – o esloveno de 24 anos igualou hoje o recorde do alemão Jan Ullrich de 55 dias na liderança da classificação de juventude da prova francesa.
À medida que o terreno foi endurecendo, com a aproximação do alto de Alkiza, a terceira de cinco contagens de montanha do dia, a fuga, composta por três excelentes roladores, foi perdendo ‘gás’, com Cavagna a descolar a mais de 70 quilómetros da meta.
Uma queda a menos de 40 quilómetros de San Sebastián ‘apanhou’ o australiano Ben O’Connor (AG2R Citroën), quarto na geral final em 2021, numa altura em que Jonas Vingegaard (Jumbo-Visma) furou – os dois saíram ‘ilesos’ dos seus percalços.
Na Côte de Gurutze, Boasson-Hagen finalmente ‘quebrou’ e o sempre combativo Powless ficou sozinho, com o norte-americano de 26 anos a sonhar com a camisola amarela, que virtualmente era ‘sua’ a 25 quilómetros do final, quando ainda seguia com uma vantagem de 01.50 minutos.
Mas a Jumbo-Visma não estava disposta a ‘oferecer’ a vitória na segunda etapa ao corredor da EF Education-EasyPost e trabalhou afincadamente no pelotão para deixar Van Aert, o grande protagonista da passada edição, em condições de lutar pelo seu 10.º triunfo na ‘Grande Boucle’, numa missão em que foi auxiliada pela Jayco AlUla de Simon Yates.
Quando Rafal Majka (UAE Emirates) assomou à frente do ‘mini-pelotão’, já bastante reduzido na escalada à segunda categoria de Jaizkibel, o sonho do combativo Powless acabou – foi alcançado nos derradeiros 20 quilómetros da jornada.
O ritmo do polaco selecionou (e muito) o grupo de candidatos à geral/etapa, ‘eliminando’ os franceses Thibaut Pinot (Groupama-FDJ) ou Julian Alaphilippe (Soudal-Quick Step), com o camisola amarela surpreendentemente a assumir o trabalho para deixar Pogacar bem colocado para sprintar pelas bonificações atribuídas no topo de Jaizkibel, num ‘mano a mano’ com Vingegaard (e aí vão dois, em apenas duas etapas) em que o camisola branca voltou a levar a melhor.
Tamanha é a sua superioridade em relação à concorrência que os dois grandes candidatos à vitória nesta edição – e vencedores das últimas três edições – ficaram isolados na frente, numa situação inusitada de corrida que seria efémera, devido à resistência em colaborar do campeão em título.
Alcançados pelos perseguidores, Pogacar e Vingegaard resignaram-se a adiar o seu duelo, com o ‘local’ Pello Bilbao (Bahrain Victorious) a aproveitar um momento de hesitação da Jumbo-Visma para lançar-se na frente, em busca da vitória de etapa na sua região.
Mas a formação neerlandesa não autorizou que ninguém estragasse os seus planos, anulando todas as tentativas, até ao ataque de Lafay. Era evidente que o vencedor da classificação da regularidade e ‘supercombativo’ da passada edição queria ganhar esta tirada – a sua frustração foi visível no final, quando bateu com a mão no guiador da bicicleta -, mas a sua equipa, que tanto trabalhou ao longo da tirada, falhou quando o francês atacou, particularmente Vingegaard.
Talvez desvalorizando o potencial de Lafay, que até já tinha no currículo um triunfo numa etapa do Giro (2021), a Jumbo-Visma não reagiu quando o ciclista da Cofidis atacou, hipotecando definitivamente o triunfo de ‘WVA’, que vive este Tour com a pressa de quem poderá ter de abandonar a qualquer momento, caso o seu segundo filho esteja prestes a nascer.
Van Aert subiu a quinto da geral, atrás de Lafay, num dia em que os restantes favoritos à amarela final, à exceção de O’Connor – perdeu 58 segundos -, chegaram todos juntos. Ruben Guerreiro (Movistar) foi o melhor entre os portugueses, no 35.º posto, a 02.25 minutos do vencedor, e subiu a 60.º, a 12.17 de Adam Yates.
Rui Costa (Intermarché-Circus-Wanty) foi 59.º, a 06.26, e é agora 66.º (a 15.12) na geral, enquanto Nelson Oliveira (Movistar) foi 89.º, a 11.42 de Lafay, e desceu à 72.ª posição, a quase 17 minutos do camisola amarela.