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O pequeno conta-quilómetros que Hernâni Cardoso tem preso à bicicleta preta e amarela, com que há quase quatro anos anda a fazer a volta ao mundo, mostra a dimensão do que já foi pedalado: 58.543 quilómetros.

Os mais recentes quilómetros foram feitos nas ruas quase desertas da madrugada de Díli depois de uma viagem durante a noite, no navio “Nakroma”, a partir de Oecussi, onde o português, militar na reforma de 57 anos, entrou oficialmente em território de Timor-Leste.

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“Este é o único meio de chegar a Díli vindo do enclave de Oecussi sem ter de passar de novo pela Indonésia e com todos os problemas logísticos ligados à importação/exportação de mercadorias e gado”, escreveu à chegada à capital timorense. A bicicleta não cabe, afinal, no pequeno avião que também faz a ligação.

“Pego na minha bicicleta e pedalo a pouca distância que separa o Porto de Díli ao Hotel da Terra, onde ficarei. As ruas estão desertas e no ar ecoam os cantos dos galos a anunciar um novo dia. 25 de Abril, eis-me em Díli”, contou aos que acompanham a sua viagem pelas redes sociais.

No 1.346.º dia da Volta ao Mundo em Bicicleta, Hernâni Cardoso tornou-se no primeiro homem a viajar, ao ritmo de pedais, entre Portugal e Díli.

“Dia 20 de maio faz quatro anos que saí de Guimarães. Já foram 58.543 quilómetros na bicicleta”, contou à Lusa.

A viagem pode ter só quatro anos, mas o sonho de a fazer começou a construir-se quando era ainda pequeno, em Angola, onde andava muito de bicicleta.

“Depois viemos para Portugal. A bicicleta não veio e em Portugal não a pude comprar porque era cara. Sem internet, o meu passatempo era ir às embaixadas pedir mapas e imaginar percursos de bicicleta”, disse.

Talvez em 1976 ou 77, Hernâni Cardoso passou numa livraria “na 31 de Janeiro”, no Porto – na altura ia a pé de Gaia, onde vivia, para a Pedro Nunes, na Boavista, onde estudava – e encontrou uma revista alemã sobre viagens de bicicleta.

A ideia de viagens em bicicleta semeou-se aí, mas depois meteu-se a vida: foi para a tropa, casou, comprou duas bicicletas, mas a ex-mulher não gostava muito e o sonho foi-se adiando.

Depois do divórcio comprou uma nova bicicleta – “custou 75 euros, mas durante um ano nem a desencaixotei, ficou lá em casa” – e, desafiado por um amigo, começou a ir a pedais de Miraflores (Oeiras, distrito de Lisboa), onde então morava, para o Estado-Maior em Alfragide (Amadora), onde trabalhava.

Estava em 2008 e o primeiro grande plano foi uma viagem da Áustria ao Danúbio. Em jeito de treino, e “com a tal bicicleta dos 75 euros”, fez Porto-Lisboa; depois comprou uma nova bicicleta e fez Lisboa-Sagres.

Em 2009, finalmente, fez a viagem do Danúbio – 30 dias a pedalar – e, apesar de uma luxação e de recomendações dos médicos para evitar a bicicleta, continuou.

Com a reforma e farto da rotina começou a planear “uma coisa grande”, inicialmente viajar para a América do Sul e começar aí uma viagem à volta ao mundo.

O roteiro acabou, porém, por ser ditado por infortúnio de um chinês que fez a viagem da China a Portugal de bicicleta, em 2012. Quando chegou a Sagres, roubaram-lhe a bicicleta.

Eram ambos membros de uma rede de contactos de cicloturistas e o ex-militar português o contacto mais próximo. Levou o chinês para casa, ajudou a reportar o roubo e emprestou-lhe uma bicicleta, para o regresso à China.

Quase um ano depois de voltar a China, a GNR disse que tinham encontrado a bicicleta e ele “escreveu a dizer que gostava de a ter de volta, por razões sentimentais”.

“Eu não a podia mandar porque era caro. Mas disse-lhe: estou a pensar fazer uma viagem, mudo o percurso e levo-te aí a bicicleta”, conta.

Viajou na bicicleta do chinês até à Malásia. No norte da Índia teve um acidente em que partiu a clavícula e a bicicleta ficou destruída. Tentou compô-la, mas acabou por ter de mandá-la, por terra, para o amigo chinês.

Comprou outra, com que ainda anda hoje, foi com ela visitar o amigo à China e depois continuou a viagem. E desde então, há uatro anos, anda a fazer amigos pelo mundo, numa aventura só interrompida por um problema de saúde, com águas “enquinadas” no deserto australiano, que o obrigou a 15 dias em Portugal.

Anda de avião ou de barco quando não pode ir por terra, o que torna o exercício mais caro, e diz que é mais viajante do que turista, contactando com mais proximidade as populações dos países que visita.

Talvez este ano volte a Portugal: quatro anos cansa e a novidade vai-se perdendo. Mas já tem outros planos.

“Parar é morrer. De bicicleta não. Talvez de mota, do Alasca à Terra do Fogo. Qualquer coia assim. Mas continuar a viajar”, disse.

Para já fica um tempo por Timor-Leste. Acompanhe a ventura de Hernâni Cardoso na sua página: Bicycle World Tour.

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