João Almeida (Deceuninck-QuickStep) correu na Unieuro Trevigiani-Hemus 1896 em 2017, uma primeira experiência no estrangeiro a que chegou “um pouco inseguro”, conta um antigo colega de equipa, mas na qual cresceu e logrou três vitórias.
Fundada em Itália em 2014, antes de mudar a sua sede junto da União Ciclista Internacional (UCI) para a Bulgária, a partir de 2017, a Unieuro foi a primeira equipa internacional de João Almeida, que já havia brilhado nos escalões mais jovens em Portugal, no Clube de Ciclismo José Maria Nicolau e no Clube de Ciclismo da Bairrada.
Foi nesta formação que conseguiu as primeiras vitórias como sub-23, três, metade das que a equipa alcançou o ano todo, e onde conheceu o espanhol Dani Viejo, que se retirou este ano, aos 22 anos, após ter corrido na Euskadi-Murias em 2019.
“Conheci o João em novembro de 2016, quando fomos fazer o reconhecimento médico. Gostei muito dele, e depois vivemos e competimos quase sempre juntos naquele ano todo”, conta o antigo ciclista de Oviedo.
Pouco mais velho do que o português natural de A-dos-Francos (Caldas da Rainha), Viejo lembra que aquele ano foi de transição para os dois, por chegarem, com 18 e 19 anos, ao estrangeiro, pela primeira vez, e viverem sozinhos.
“Foi duro para ele e para mim, mas sempre tivemos uma relação muito boa e conseguimos. […] Estávamos sempre juntos, na brincadeira, íamos tomar café. Sempre em apoio. Depois dos treinos, muitas vezes íamos tomar café e conversar fosse do que fosse”, detalha o espanhol.
Dos tempos da formação búlgara, grande parte dos antigos colegas de equipa do português já se retiraram ou saíram do ciclismo profissional, com exceção dos italianos Mattia Viel e Simone Ravanelli, a correr na equipa ProTour Androni Giocattoli-Sidermec, do argentino Nicolás Tivani (Agrupación Virgen de Fatima), e do marroquino Abderrahim Zahiri (General Store Curia).
Num ano em que não logrou acompanhar a equipa na vinda à Volta a Portugal, então liderada por Ravanelli, João Almeida acabou por ‘brilhar’ desde cedo, e até comprovou os dotes de futurologia de Dani Viejo na Turquia.
“Na Volta a Mersin, disse-lhe ‘hoje esta é para ti, vais ganhar’. Mais tarde, estava a chegar à meta depois da ‘carregadura’ [referindo-se à dureza da etapa], cheia de subidas. Claro, o João tinha vencido”, recorda.
O feito, na terceira etapa da Volta a Mersin, disputada em abril, que o português acabou no oitavo posto, foi um primeiro momento de glória com as novas cores, a anunciar-se ao pelotão internacional.
Mais tarde, Viejo voltou a acompanhá-lo na Toscana Terra del Ciclismo Eroica, prova destinada a jovens no final de abril, com João a abrir caminho na segunda e última etapa para chegar ao quarto posto da geral.
Nessa corrida participaram alguns nomes que hoje, como João, começam a destacar-se nas grandes provas mundiais, a começar pelo vencedor: o australiano Jai Hindley, hoje na Sunweb e principal responsável por ‘destronar’ o português da liderança da geral do Giro.
Mas nem só em chegadas em pequenos grupos se destacava o jovem, então já campeão sub-23, júnior e cadete em modalidades de pista mas sobretudo no contrarrelógio individual, e em maio terá conseguido a maior vitória dessa época, já depois de ser quarto na Volta a Ancara.
Na Volta à Ucrânia, acabou no nono lugar final, e no primeiro da classificação da juventude, ao vencer a quarta e última etapa, na capital Kiev, num ‘sprint’ em que se impôs a corredores com cinco, 10 ou mais anos de experiência profissional.
Dani Viejo lembra que já então João Almeida se mostrava “uma pessoa muito humilde”, com ambição de ser um vencedor, mas ainda “um pouco inseguro”.
“Vinha dos juniores, estava a correr com os profissionais pela primeira vez, não tinha resultados. Com o passar dos tempos, a correr e correr, conseguiu vitórias. Deixámos depois de ver-nos, mas seguimos em contacto e é muito boa pessoa”, comenta.
O espanhol afirma ainda que o sucesso na Volta a Itália, que liderou durante 15 dias na estreia em grandes Voltas e na qual alcançou o melhor resultado de um português, com o seu quarto lugar, “não surpreende nada”.
“Sabia do que era capaz. Isso vê-se, quando uma pessoa é mesmo boa. Ao correr com ele, via detalhes de qualidade extraordinários. Notava-se que tinha genética e qualidade”, exclama.
Da Unieuro, ‘saltou’ para a Hagens Berman Axeon, uma equipa norte-americana famosa por ser uma ‘fábrica de talentos’, e daí saiu para correr, em 2020, na Deceuninck-QuickStep, que começa a recolher frutos da aposta.
Ainda assim, o sucesso do caldense estica a ‘fama’ também aos seus clubes de juventude, aumentando o rol de formandos ilustres da Axeon, que também ‘lançou’ Ruben Guerreiro (Education First) ou o britânico Tao Geoghegan Hart (INEOS), só para citar nomes igualmente em destaque no Giro, dando ainda à ‘obscura’ formação búlgara um inesperado destaque.
“O trabalho compensa sempre. És grande João, mas nós já o sabíamos. Estamos cheios de orgulho”, escreveu a formação na rede social Twitter.