Ruben Guerreiro (Education First) terminou hoje o Giro d’Italia com uma inédita vitória na classificação da montanha e uma etapa ‘no bolso’, o corolário na carreira de um ciclista “leal e explosivo”.
Aos 26 anos, o ciclista de Pegões, concelho do Montijo, viveu no Giro o que o próprio descreveu à Lusa como “um sonho de grande Volta”, ao vencer a nona etapa, em Roccaraso, e conquistar a classificação da montanha, esta última um feito inédito para o ciclismo português em qualquer umas das três ‘grandes’ (França, Itália e Espanha).
Um corredor “muito explosivo”, como descrevem várias pessoas que o foram acompanhando, Ruben Guerreiro viveu no Giro, e em particular na nona etapa, o maior feito da carreira, ao vencer uma etapa numa das grandes Voltas, e quebrando um jejum particular na ‘corsa rosa’ que, para Portugal, se fazia sentir desde 1989.
Mas o corredor de Pegões, um jovem “honesto, correto e muito profissional”, a quem todos gabam a determinação e ambição, foi mais longe, e logrou um feito inédito para o ciclismo nacional: arrebatou a classificação da montanha, transformando-se no primeiro luso a ganhar uma camisola em grandes Voltas.
A ‘maglia azzurra’ que levou para casa depois do contrarrelógio de hoje, em Milão, é um ‘atestado’ de competência e de grande forma naquele que é o ano de estreia pela Education First, a terceira equipa norte-americana de um percurso em que cedo mostrou valentia e talento.
“Tem um espírito competitivo muito forte. Esse espírito competitivo é tão forte que, quando não atinge o objetivo a que se propõe, penaliza-se a ele mesmo”, conta à Lusa o antigo ciclista José Azevedo, que o dirigiu na Katusha-Alpecin em 2019.
Como pessoa, “o Ruben é muito leal”. “É um jovem honesto, correto e muito profissional, que gosta daquilo que faz, de ser ciclista, de treinar, de competir. Tem um espírito competitivo muito forte”, acrescenta.
Se o irmão, o também ciclista Francisco Guerreiro, lembra à Lusa a boa “ponta final” do mais velho, que se viu em Roccaraso, José Azevedo aponta as suas forças “na média montanha” e essa rapidez, que lhe permite discutir finais com pouca inclinação ou em pequenos grupos ao ‘sprint’.
“Pode, atendendo à idade dele, melhorar no contrarrelógio”, alerta o diretor desportivo.
De momento, “tem perfil para corridas de um dia, onduladas, ou corridas de uma semana”, com o plano para três semanas a passar por aquilo que demonstrou neste Giro: tentar vencer etapas, lutar pela camisola da montanha.
Passou pelo BTT, mas foi na estrada que começou a afirmar-se, como campeão nacional de juniores em 2012, começando realmente a mostrar o talento quando, em 2014, vence a Volta a Portugal do Futuro, conseguindo o ‘bilhete’ de viagem para os Estados Unidos e para a Hagens Berman Axeon.
Correu pela ‘fábrica de talentos’ dois anos, e, logo no primeiro, venceu o Grande Prémio Liberty Seguros, ‘explodindo’ em 2016 com o triunfo no Grande Prémio Palio del Recioto, em Itália, como terceiro melhor jovem na Volta a Califórnia, com bons resultados na Volta a Saboia e como campeão nacional sub-23.
Ruben Guerreiro criou assim um movimento que se viria a tornar regular de ciclistas portugueses na equipa destinada a desenvolver jovens talentos, criada por Axel Merckx, e pela qual passou também João Almeida.
“Fico feliz pelo Ruben, porque sei que tem muito talento e tem apenas de cristalizar essa energia na direção certa. Acho que o fez na etapa que ganhou. Ainda tem muito potencial para ganhar mais”, conta à Lusa o filho de Eddy Merckx, também ele antigo ciclista e diretor da Hagens Berman Axeon.
Os bons resultados levaram-no para a Trek-Segafredo, outra formação norte-americana onde passou dois anos.
André Cardoso cruzou-se com Guerreiro na equipa em 2017, e lembra um ciclista que, embora “muito jovem”, já demonstrava “ter uma garra enorme” e “saber ver o que queria para o futuro”.
À Lusa, o antigo colega do espanhol Alberto Contador lembra que ambos tinham calendários diferentes, mas que criou “uma ligação forte” em estágios e outros momentos, notando agora a maior maturidade de um jovem que, refere, “fervia em pouca água”.
Um “ciclista de objetivos claros”, sofreu com algumas lesões que o impediram de estar no seu melhor, até pelo “estatuto” que já tinha na equipa norte-americana, embora André Cardoso lembre que Guerreiro tinha como objetivo os Nacionais de fundo de elite.
“Eu não estava em grandes condições, mas fiz o que pude para o ajudar e ele acabou por ser campeão”, lembra, da única corrida que fizeram juntos, ainda hoje um dos grandes momentos do homem que agora ‘brilha’ por outra equipa norte-americana.
Um calendário recheado de clássicas e provas de um dia, nas quais o melhor resultado foi o sexo lugar na Clássica da Bretanha, prova WorldTour, complementava provas de uma semana, como o Tour de Baloise, na Bélgica, que acabou em nono.
Em 2019, muda de ares e segue para a suíça Katusha-Alpecin, dirigida por José Azevedo, à procura de maior protagonismo, numa equipa de futuro incerto e que acabou por terminar no final desse ano.
Ainda assim, o ciclista de Pegões fez por se mostrar ao pelotão internacional, com um oitavo lugar no Tour Down Under e vários outros resultados honrosos, no primeiro ano como profissional em que mostrou consistência.
O esforço havia de ser recompensado na Volta a Espanha, que acabou no 17.º lugar final e no quinto da classificação da juventude, além de um segundo lugar e outro quarto posto em etapas, ficando muito próximo de uma glória ‘adiada’ para Roccaraso.
Mais tarde, após o Stelvio e o momento em que confirmou matematicamente o triunfo na montanha, um dos maiores na carreira, lembrou todo o esforço que este lhe exigiu, a vontade de fazer mais e ainda os feitos de João Almeida (Deceuninck-QuickStep), agradecendo todo o apoio neste tempo.
“Espero que tenham gostado da corrida e tenham ficado muito orgulhosos”, atirou.