Durante ano e meio, Ruben Alonso Elorza pedalou 26 mil quilómetros através de África, percorrendo 17 países, mas a pandemia de covid-19 acabou com a aventura do viajante, que vive há mais de dois meses numa paradisíaca praia angolana.
O basco, de 47 anos, iniciou a viagem na capital egípcia, Cairo, onde chegou de avião em outubro de 2018. Daí, seguiu de bicicleta pelo Sudão, atravessou a Etiópia, o Quénia, o Uganda, o Ruanda e a Tanzânia, deu um salto a Zanzibar, passou pelo Maláui e pela Zâmbia, percorreu o Zimbabué, viajou por Moçambique, entrou em Eswatini, no Lesoto e África do Sul e chegou a Angola a partir da Namíbia.
A entrada no país não foi fácil, devido à demora dos vistos, e a saída também não está a ser: Ruben estava há quase três semanas em Angola quando foi “apanhado” pelo fecho de fronteiras, decretado em 20 de março, pelo Governo angolano para travar a propagação da pandemia provocada pelo novo coronavírus.
O viajante, que tinha entrado na fronteira sul de Santa Clara (província do Cunene) e passado pelo Lubango (Huíla) e Lobito (Benguela), encontrava-se em Porto Amboim (Cuanza Sul) quando foram anunciados os primeiros dois casos de covid-19.
Nessa altura, sentiu que já não era tão bem-vindo: “As pessoas pensavam que por ser branco tinha o coronavírus. Não é assim, claro, até por que viajo em bicicleta por África desde outubro de 2018, mas as pessoas não sabiam”, contou, explicando que as pessoas começaram a guardar distância.
“Há um pouco de medo com tudo isto”, disse Ruben, salientando no entanto que a epidemia parece “muito controlada em Angola” onde o Governo tomou medidas desde cedo.
“Fiquei surpreendido. Com dois casos [de infeção] por covid-19, parou tudo, fechou fronteiras. O Governo não quis arriscar nada”, sublinhou.
Ruben decidiu continuar e voltou a fazer-se à estrada, percorrendo mais 150 quilómetros para norte.
Chegou então a Cabo Ledo, uma zona balnear popular entre expatriados e surfistas a cerca de duas horas de Luanda, que descobriu por acaso, enquanto procurava a Praia dos Surfistas.
Era 23 de março e Angola tinha declarado o fecho de fronteiras três dias antes.
Foi aí que procurou um sítio para acampar, acabando por ser acolhido num ‘resort’ que lhe serve de abrigo para a quarentena desde então.
“Estou num paraíso dentro do paraíso que é Angola e aqui vou esperando que passe toda esta situação”, contou à Lusa, destacando as “boas vivências” e a “gente espetacular” que o tem rodeado e acarinhado.
Enquanto espera, deu descanso à bicicleta e aproveitou a proximidade do mar e dos novos amigos surfistas para apanhar as suas primeiras ondas, descobrindo no surf uma nova paixão: “Aqui tenho tempo e Cabo Ledo é um sítio perfeito para fazer surf”.
Ruben chegou a contactar a embaixada espanhola, mas as perspetivas de regresso a casa não eram particularmente felizes.
“A embaixada não me ajudou, punham-me num voo para Paris e a partir daí tinha de arranjar maneira de voltar a casa”, relatou.
Sem pressa e sabendo que teria de ficar em quarentena ao voltar a casa, numa altura em que Espanha enfrentava uma situação crítica, acumulando milhares de mortes, decidiu permanecer em Angola e aceitar a hospitalidade dos seus anfitriões “Tudo parou, as fronteiras estavam fechadas, não havia voos e eu também não precisava. Achei que a situação estava mais tranquila aqui, bem mais do que em Espanha. Falei com a minha família e estavam todos bem, em quarentena. Se eu voltasse, teria de ficar também em quarentena. Entre isso ou ficar neste paraíso preferi ficar neste paraíso”, sorriu.
O projeto de viagem não acabava em Angola, mas Ruben não sabe ainda se vai poder prosseguir.
“Eu queria conhecer África com os meus próprios olhos, porque o que vemos na televisão não é a realidade de África. Se ficarmos só pelo que vemos na televisão, vemos violência, infelicidade… eu encontrei o contrário, boa gente, senti-me bem-vindo”, afirmou.
O objetivo era chegar a casa, em Vitória, a capital do país basco, de bicicleta pelo Natal.
“Mas a situação mudou completamente e aqui estamos. Agora, não sei se abrem fronteiras, se poderei continuar, mas não olho muito para o futuro, olho mais para o futuro próximo, talvez duas semanas à frente. Não vale a pena, tudo muda tão rápido”, atirou.
O viajante admitiu que as fronteiras venham a abrir, mas a maneira de viajar vai mudar e o projeto poderá ficar suspenso por não querer ter de fazer quarentena em cada país que atravessar.
De África vai guardar experiências de vida, nem todas boas, mas todas enriquecedoras.
“Para cada país há uma coisa boa e outra menos boa. Penso que a Etiópia é um país onde não voltaria. Fui agredido, tentaram-me roubar várias vezes, apedrejaram-me, havia guerras na fronteira com Sudão e com o Quénia… as circunstâncias não foram as melhores”, recordou.
Mas, complementou, “as mulheres são muito bonitas, o café é muito bom, a comida é saborosa”.
Já em Angola, a viagem foi marcada pelos sorrisos: “Sempre muitos sorrisos, muita felicidade. As pessoas têm muito pouco ou nada, mas fui sempre bem vindo, sempre me quiseram acolher, achei sempre tudo muito tranquilo. Não tive preocupações, podia deixar a bicicleta em qualquer sítio, toda a gente respeitava, pelo menos até agora”, descreveu, acrescentando que ainda não conhece a capital, Luanda.
Ruben viaja sempre de forma autónoma, pedalando na “Rodriga”, batizada em honra do amigo que a ofereceu e onde transporta a tenda que lhe serve de teto, quando não encontra outro local de pernoita, algumas mudas de roupa e as ferramentas necessárias para fazer pequenas reparações.
O basco disse que com esta forma de conhecer os países também não gasta muito dinheiro.
“Viajo com a minha tenda, como o que as pessoas me oferecem, não preciso de muitas coisas. Também não me preocupa com o que vai acontecer no dia a seguir e por onde vou passar, posso ter um pneu furado, não sei o que vai acontecer, por isso vivo cada dia”.
É esse tempo e disponibilidade que lhe permite o meio de locomoção que escolheu para viver as suas aventuras.
“Com a mota, o carro, autocarro, camião, avião, vamos muito rápido. A bicicleta dá-me a possibilidade de falar, escutar, ver, tenho inter-relação com a natureza e com as pessoas. Vivo cada dia, tenho autonomia para mover-me onde quero. A bicicleta dá-me essa liberdade e um ritmo tranquilo, mas continuado. E se quero parar, paro”, destacou o viajante espanhol.
Para Ruben o mais importante são as pessoas: “É através delas que conheço a cultura, a língua, a dança, o que comem… que conheço tudo”, concluiu.