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Remco Evenepoel (Quick-Step Alpha Vinyl) cresceu e mudou, mas não deixou de ser um fenómeno, que ultrapassou o ‘trauma’ da terrível queda na Lombardia para ‘bisar’ hoje na Volta ao Algarve.

Sergio Higuita triunfa na consagração de Remco Evenepoel na 48.ª Volta ao Algarve
Photo © João Fonseca Photographer

Aquele miúdo irreverente e desafiante, arrogante q.b (às vezes, até mais do que isso) que conquistou a ‘Algarvia’ em 2020 não é mais o mesmo; hoje, a atitude do belga de 22 anos é mais comedida, mais madura, as suas declarações são mais ponderadas, embora ainda tenham um ‘quê’ de autenticidade, cada vez mais rara num pelotão demasiado formatado.

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Evenepoel, que andou visivelmente tenso nos primeiros dias da prova portuguesa, teve de ‘crescer’ à força, depois de uma horrenda queda na Volta à Lombardia – saiu em frente numa curva e caiu de uma ponte, para uma profunda ravina de cinco metros -, em agosto de 2020, o ter ‘atirado’ para uma cama de hospital e para uma longa convalescença (de oito meses) da fratura da pélvis que sofreu.

Remco Evenepoel vence contrarrelógio e sobe à liderança da Volta ao Algarve
Photo © João Fonseca Photographer

A carreira idílica daquele que, desde que apareceu, foi comparado ao ‘Canibal’ Eddy Merckx – algo que sempre abominou – sofreu um sério revés naquele dia e, desde então, o ciclista com cara de ‘teenager’ tem tido de lidar com a pressão adicional do escrutínio dos que veem em qualquer má jornada a prova de que a sua carreira nunca será aquilo que poderia ter sido.

As imensas dúvidas que pairavam sobre o seu futuro ‘pesaram’ na sua estreia numa grande Volta, o Giro2021, no qual prometeu muito (foi segundo da geral durante cinco etapas) e protagonizou momentos de tensão com o seu colega português João Almeida, antes de desistir, após a 17.ª etapa, na sequência de uma queda, numa altura em que já estava em evidente quebra física.

Hoje, Remco (a fervorosa legião de fãs que tem em todo o mundo abdicou do seu apelido) demonstrou que as notícias sobre a ‘morte’ da sua carreira, ‘agudizadas’ por uma temporada de 2021 em que ganhou ‘apenas’ as voltas à Bélgica e à Dinamarca e conquistou a prata na prova de fundo dos Europeus e o bronze no ‘crono’ continental e mundial, foram manifestamente exageradas, ao vencer novamente a ‘Algarvia’, duas semanas após ter sido segundo na Volta à Comunidade Valenciana.

Evenepoel é um fenómeno e o seu currículo precoce comprova-o: no ano de estreia no pelotão, e no espaço de apenas dois meses, venceu a Hammer Limburg, a Volta à Bélgica, foi terceiro nos campeonatos nacionais de contrarrelógio, triunfou na Clássica de San Sebástian e sagrou-se campeão europeu de ‘crono’ – em setembro, haveria ainda de tornar-se vice-campeão mundial da especialidade.

À ‘explosão’ de 2019, que lhe valeu o epíteto de novo Eddy Merckx e o prémio de desportista belga do ano (foi o primeiro ciclista a ser distinguido desde que o campeão olímpico de fundo do Rio2016, Greg Van Avermaet, recebeu o galardão), seguiu-se a consolidação na época de 2020, na qual conquistou a geral de todas as provas em que participou (San Juan, Algarve, Burgos e Polónia), antes de cair na Volta à Lombardia.

O mais curioso é que o jovem de Quick-Step Alpha Vinyl poderia nem ter sido ciclista; nascido em 2000, nos subúrbios de Bruxelas, Evenepoel começou a jogar futebol aos cinco anos e era tão talentoso que foi ‘captado’ pelas escolinhas do Anderlecht, antes de rumar aos neerlandeses do PSV Eindhoven.

O percurso bem-sucedido nos relvados do então lateral esquerdo levou-o à seleção nacional belga, que representou nos escalões sub-15, sub-16 e capitaneou por uma vez nos sub-17. Embora o seu potencial fosse mais do que (re)conhecido no futebol, o pequeno Remco (tem apenas 1,71 metros) decidiu seguir os conselhos do pai, o antigo ciclista profissional Patrick Evenepoel, que considerava que os atributos físicos do filho eram os de um campeão velocipédico.

O ‘salto’ para o ciclismo foi fulgurante: ganhou 34 das suas primeiras 44 corridas, e, nos Mundiais de Innsbruck (2018), conseguiu algo inédito na modalidade, unindo o ouro no ‘crono’ de juniores ao título mundial de estrada, um feito alcançado apesar de uma queda e de uma demorada mudança de roda (e até de ter o ‘13’ preso ao dorsal) e festejado com um gesto ‘copiado’ de Cristiano Ronaldo – agarrou o queixo afagando uma barba imaginária, uma metáfora para o trocadilho entre ‘goat’ (cabra) e G.O.A.T (‘greatest of all time’, o melhor de sempre na tradução em português).

Com um palmarés tão impressionante, o primeiro contrato como profissional era uma questão de tempo. Como não poderia deixar de ser, a Deceuninck-QuickStep, a melhor equipa do Mundo, ofereceu-lhe em 2018 um lugar no ‘Wolfpack’, o nome pelo qual é conhecido o elenco de talentos da formação belga, na qual rivaliza em popularidade apenas com o bicampeão mundial, o francês Julian Alaphilippe.

O triunfo de hoje na 48.ª Volta ao Algarve reitera a imensa qualidade do jovem belga, que, contudo, ainda terá de confirmar o seu potencial numa grande Volta para demonstrar que é verdadeiramente o corredor histórico que parece predestinado a ser.

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