Encontramos cada vez mais entusiastas das duas rodas que além das aventuras fora da estrada, procuram desafios maiores, como exigentes provas de BTT por etapas, onde acumulam centenas de quilómetros, percorrendo montanhas e paisagens ímpares, e somando declives muito acentuados, o que acentua a exigência deste tipo de competições, que normalmente se estendem por alguns dias.
O Bike Tansalp é uma das grandes referências mundiais em provas de BTT por etapas, não só por ser uma organização pioneira deste tipo de eventos, como também pela sua envolvência: 8 etapas/dias, onde os atletas atravessam os Alpes, razão pela qual, é considerada uma das provas de BTT mais exigentes de todo o mundo.
Ao abordar a participação numa prova desta envergadura e dimensão, deve-se analisar com detalhe toda a sua exigência, caracterizando a intensidade de esforço requerida para ultrapassar todas etapas, de forma a desenvolver um eficaz programa de treino e nutricional. É isso a que me proponho ajudar nas próximas linhas.
A análise da prova
O que torna o Bike Transalp numa prova mítica é o terreno acidentado da região, que engloba no seu total mais de 315km em ascensão, e 275km em declive negativo, sendo as zonas planas (preferenciais para alguma recuperação) muito raras ao longo de toda a semana de prova.
Condições atmosféricas, hidratação e suplementação
É comum os atletas terem bem definidos programas nutricionais e de suplementação, desde o acordar ao deitar, dando sempre especial relevo às grandes refeições do dia: pequeno-almoço, lanche pós-prova (início da recuperação) e jantar. Isto sem esquecer o aporte nutricional volante ao longo da etapa, que assegurará principalmente as fontes de energia de rápida absorção.
A intensidade da prova (parte I)
Cada etapa é percorrida a uma intensidade média que ronda os 80 a 85% da intensidade máxima que o atleta suporta (intensidades baseadas em referências fisiológicas das capacidades de cada atleta – valores obtidos a partir de um protocolo de avaliação prévio).
Intensidade limiar – intensidade máxima que o atleta consegue suportar num equilíbrio entre a produção e eliminação do ácido láctico ao nível dos músculos activos. É a intensidade a partir da qual, qualquer incremento da mesma, resultará num aumento exponencial desse ácido, provocando o surgimento da sensação de pernas inchadas e pesadas, provocando a instalação da fadiga.
Analisando estes valores em termos de frequência cardíaca, a média de toda a prova ronda valores na ordem dos 85% da FC máxima. Isto para o total de toda a semana. O facto de, dependendo do atleta avaliado, o tempo de esforço total superior à intensidade limiar ser entre os 27 e 36%, alicerça ainda mais a enorme exigência fisiológica da competição.
Os valores de Frequência Cardíaca
Curiosamente, enquanto nestas provas se regista apenas este decréscimo no batimento cardíaco médio da primeira para a segunda etapa mantendo-se depois constante até final, nas provas de estrada (que são também mais longas – 3 semanas), além deste registo, continua-se a verificar até final da prova, uma diminuição diária nos valores médios de FC de cerca de 0,4 p/m, o que corresponde no final a um decréscimo de 8 p/m.
A Intensidade da prova (parte II)
No seguimento da análise da intensidade da prova, 64% do total da competição, são percorridos a uma intensidade moderada/baixa, pelo que e olhando para a prova como um todo, comprovamos que a performance de um atleta nesta competição tem uma elevada dependência do metabolismo aeróbio, sendo o metabolismo anaeróbio (acima da intensidade limiar) o que acaba por ter um papel mais decisivo num bom resultado final, na medida em que vai descriminar uma maior capacidade de rendimento nas zonas de maior exigência física.
Toda esta problemática, pode causar alguma dificuldade na análise da competição à qual nos propusemos realizar. Isto porque, analisando minuciosamente o registo da FC de um atleta, podemos encontrar zonas de subida bastante exigentes onde o sujeito alcança valores na ordem dos 78% da FC máxima, para pouco depois, numa descida num trilho de downhill, chegar a atingir valores de 88% da FC máxima. Situação explicada pela elevada concentração mental requerida ao longo da descida, o próprio stress adicional da subida da adrenalina, o impacto da bicicleta no solo, etc.
Apesar da problemática inerente à utilização da frequência cardíaca na análise da intensidade deste tipo de esforços, vários estudos comprovam que, como todos os atletas ao longo dos 8 dias foram sujeitos a uma alimentação e hidratação idênticas, a um igual desafio competitivo, e percorreram o mesmo percurso sob as mesmas condições ambientais e mecânicas (bicicleta), e apresentaram um idêntico comportamento cardíaco linear entre eles, conseguimos obter uma ideia global correcta do impacto de uma prova de BTT por etapas, para o sistema fisiológico.
Conclusão
Bons treinos.