O realizador lituano Arunas Matelis, em Portugal para apresentar o documentário Wonderful Losers, rodado em duas edições da Volta a Itália, disse em entrevista que “o ciclismo não é sobre os vencedores, é sobre os gregários”.
O documentário dedica-se a seguir a cauda do pelotão durante as edições de 2014 e 2015 do Giro, acompanhando as quedas, os momentos em que os gregários, elementos de uma equipa que trabalham para os líderes, se deslocam aos carros de apoio para recolher bidões de água ou alimentos, mas também quando falam com os médicos da prova.
“Em Itália, muitos jornalistas me perguntaram porque é que decidi olhar para os gregários. Eu disse-lhes que eles eram 95% de qualquer pelotão. Como é que isto era surpreendente? O ciclismo não é sobre os vencedores, é sobre os gregários”, atira o realizador.
“Em Varsóvia, fui surpreendido porque recebi o grande prémio e o júri disse-me: ‘não percebemos de ciclismo, mas não vemos isto como um filme sobre ciclismo, antes uma metáfora para a vida’. Eu queria que as pessoas tivessem essa sensação”, refere Matelis.
“Há também um lado filosófico, porque enquanto estiveres na bicicleta, só consegues estar de pé se estiveres a pedalar, e isso é como na vida, em que não podes parar e tens de seguir em frente. Perguntei a um ciclista, embora não inclua isso no filme, porque é que se sujeitava às quedas, a andar na traseira. Ele disse-me que quando corria, se sentia parte de uma tribo de pessoas livres”, conta.
Sobre a reação da organização e da imprensa, esta foi “pequena” ao início, mas depois da indicação ao Óscar, cederam o troféu original da prova para uma estreia em Los Angeles.
“Perceberam que o filme servia para mandar uma mensagem ao mundo, que não se tratasse só de doping, depois de Lance Armstrong. Foi importante para mostrar que a paixão, e não o doping, é o que dá força a 99% dos ciclistas”, comenta.
“Há a importância de um jovem de 14 ou 15 anos estar numa equipa e ser feliz assim, abre um mundo diferente em que não têm de ser fortes sozinhos, mas em equipa”, assinala.
A par dos ciclistas, Wonderful Losers mostra também a perspetiva do carro de apoio médico, por uma questão de “enquadramento, porque ali os ciclistas não têm tempo de chorar ou mostrar a dor”.
Além da missão de “trazer a glória para os gregários”, porque “mesmo quem gosta de ciclismo não reconhece quem está por detrás de ciclistas como Vincenzo Nibali ou Alberto Contador”, o filme permitiu também olhar para as “mudanças mentais” de ciclistas que, chegados ao topo, têm de se conformar em não lutar pela vitória e antes trabalhar para um líder.
“Toda a gente é forte e pode ganhar etapas, basta ver Chris Froome ou Geraint Thomas, que eram gregários e passaram a capitães. (…) Mas há uma mudança na vontade de ser o melhor e depois torna-se uma forma de escravidão. Têm de descobrir significado e felicidade naquele papel e descobrir uma irmandade, para chegar a uma vitória partilhada pelos destinos de todos os companheiros”, afirma.
Veja o trailer deste magnífico documentário:
O documentário Wonderful Losers – A Different World pode ser visto em www.wonderfullosers.com.