O feito de João Almeida no Giro d’Italia surpreendeu o diretor técnico da Deceuninck-QuickStep, com Ricardo Scheidecker a considerar que “o céu é o limite” para o ciclista português, que demonstrou ser talhado para corridas por etapas.
No início da temporada, antes de a pandemia de covid-19 revolucionar o calendário velocipédico internacional, o momento que se viveu no domingo, quando Almeida alcançou o quarto lugar final e o melhor resultado de um português no Giro, seria impossível, uma vez que o plano da Deceuninck-QuickStep – o A, pelo menos – para o jovem de 22 nem passava pela estreia numa das grandes Voltas, uma política extensível a todos os neoprofissionais que se ‘estreiam’ no WorldTour pela mão da equipa belga.
“Depois, no contexto da pandemia, as coisas mudaram drasticamente, e o João iria à Vuelta, que, ainda para mais, tinha sido reduzida em três dias. Não tínhamos outra escolha. Neste caso, era a grande Volta mais curta, que é dura, mas tem etapas mais curtas, digamos que é mais acessível. Esse era o plano B. Com todos os problemas que tivemos, passámos ao plano C, e decidimos trazer o João ao Giro, porque precisávamos de corredores que nos dessem algumas garantias na montanha”, contou à Lusa o português que integra a equipa técnica da melhor formação mundial.
Foram a infelicidade do fenómeno belga Remco Evenepoel, que caiu com aparato na Volta a Lombardia e fraturou a pélvis, falhando o resto da temporada, e os problemas com que a Deceuninck-QuickStep se deparou, após uma série de quedas e lesões, que fizeram com que, de acordo com Scheidecker, os belgas decidissem levar Almeida a Itália, “porque caso contrário, provavelmente, ele teria corrido a Volta a Espanha”.
Fruto das circunstâncias, e naquilo que o diretor técnico descreveu como “uma boa coincidência”, o corredor de A-dos-Francos foi presentado com o dorsal 81, que estaria reservado para Evenepoel.
“É provável que o tenham decidido pô-lo dorsal número 1 como substituto do Remco, mas como uma mera circunstância, não porque se pensava que o João vinha para ganhar a Volta a Itália e era o líder claro da equipa, temos de ser coerentes. As expectativas para o João não eram as mesmas de que para o Remco, é preciso ser honesto”, reconheceu.
No radar da equipa desde “fim de 2017”, e depois de realizar dois estágios com os belgas, no inverno de 2017/2018 e no início de 2019, antes de um arranque de época “mais discreto”, em que os diretores mantiveram a confiança naquilo que já tinha feito e a convicção de que o português tinha “um enorme” talento, ajudando-o a ‘ajustar’ os treinos, Almeida ‘convenceu’ a Deceuninck-QuickStep a oferecer-lhe o seu primeiro contrato profissional e, nas três semanas da ‘corsa rosa’, conseguiu mesmo exceder as expectativas dos seus ‘chefes’ .
“Dizer que esperava este tipo de resultados no primeiro ano não é correto, porque um neoprofissional pode ser tudo e pode ser nada, pode ter dificuldades em adaptar-se, é um processo que pode levar o seu tempo. Connosco, os ciclistas têm espaço para crescerem, não têm nenhum tipo de pressão. Estávamos à espera que andasse bem e que se adaptasse, mas fazer o que fez é evidente que nos surpreendeu, pela positiva”, admitiu.
O português, que é também o responsável pela área de desenvolvimento daquela formação, confessou que, “pessoalmente”, sempre acreditou que João Almeida “fosse fazer alguma coisa de bom, até de bastante bom, como ganhar uma corrida este ano, o que não aconteceu, mas esteve perto”.
“Não ao nível do que ele fez, tenho de admitir que acho que surpreendeu toda a agente, inclusive o próprio. Estas são as surpresas boas. A fasquia agora está mais alta, as expectativas são outras, tem um ano nas pernas ao nível do WorldTour, um ano complicado, com um calendário diferente do que se fez até agora. Isso vai levar a que olhemos para o João de forma diferente para o futuro, sempre com a garantia de que ele é um jovem, logo terá de ser cuidado e ser acompanhado nesse sentido. Mas sabemos que o seu talento é, de facto, muito grande e temos expectativas que se começam a avolumar para o seu futuro”, assumiu.
Assim, para Scheidecker, o céu é o limite para aquele que é, desde este domingo, o melhor português de sempre nas 103 edições do Giro.
“Ele tem enormes qualidades. O João é um corredor talhado para corridas por etapas, porque sobe muitíssimo bem e é muito forte no contrarrelógio e, depois, tem uma mentalidade agressiva. Com os seus 22 anos, com o todo o caráter que demonstrou nesta corrida, fazem dele um típico vencedor de provas por etapas. Mas não quer dizer que não tenha potencial para ganhar ‘monumentos’ que se adaptam às suas características de trepador, como a Liège-Bastogne-Liège, ou Lombardia, que são corridas que estão à sua mercê”, notou.
Apesar de não ser “muito dado a futurologistas” e de ressalvar que há ainda “imenso trabalho técnico” a realizar com o novo herói do desporto nacional, o português confia que Almeida fará “bons resultados nas grandes Voltas”. “E o limite só Deus sabe”, completou.