Um mês depois da última corrida do calendário ciclista nacional, a Clássica da Primavera, a incerteza reina no pelotão português, sobretudo pela falta de uma data específica para o regresso à estrada e à competição.
No dia 08 de março, 141 quilómetros com partida e chegada na Avenida Vasco da Gama, na Póvoa de Varzim, serviam para assinalar o início da nova estação no ciclismo de estrada em Portugal.
Ainda assim, a corrida vencida pelo português Luís Gomes (Kelly/InOutBuild/UDO) marcou também a última vez que o pelotão velocipédico competiu entre si, num momento que seria de arranque para uma fase preenchida, com provas como a Volta ao Alentejo, a Clássica Aldeias do Xisto ou a Clássica da Arrábida.
A expansão da pandemia de covid-19 colocou uma aura de incerteza e desconfiança em torno do desporto, com a suspensão generalizada das provas, e no ciclismo a preocupação com a data específica do regresso, nunca antes de junho, segundo as indicações da União Ciclista Internacional (UCI), reina entre as equipas.
Os diretores desportivos de sete das nove equipas do escalão Continental Profissional de Portugal demonstram preocupações comuns: primeiro, com o impacto económico, ainda que, “para já”, não se tenham sentido repercussões para os ciclistas.
Outra das palavras comuns é “incerteza”, uma vez que a incapacidade de definir um regresso à competição, num momento em que os treinos são a solo e muito condicionados, acaba por afetar a maior parte dos corredores.
“É extremamente complicado, sobretudo porque não temos definição para reiniciar a atividade. Há incerteza para o futuro. (…) Falamos duas ou três vezes por semana com cada ciclista, para que percebam que estamos juntos neste combate”, revela à Lusa o diretor da Kelly/InOutBuild/UDO, Manuel Correia.
Para enfrentar os novos tempos, várias estratégias têm sido tomadas pelas equipas, como a W52-FC Porto, que tem apostado em corridas virtuais, através da plataforma Zwift, com a equipa britânica SwiftCarbon.
Numa primeira fase, Jorge Magalhães e Francisco Campos bateram-se com Alex Braybrooke e Andrew Turner, com os britânicos a levarem a melhor, e uma segunda ronda está marcada para hoje.
Aqui, os ‘dragões’ contarão com o espanhol Raúl Rico, no lugar de Jorge Magalhães, para enfrentar a Clássica 3R, uma corrida virtual de 32 quilómetros de traçado maioritariamente plano, com o público convidado a assistir através da Internet.
Com muitos ciclistas em cima dos rolos a treinar, com o auxílio da Zwift para simular traçados e mesmo etapas reais em alguns casos, e com apenas breves saídas para treinos na rua, fazem falta as provas para “sentir o ciclismo vivo”, como desabafou à Lusa o diretor da Aviludo-Louletano, Jorge Piedade.
Na Efapel, a equipa queria “era estar a correr”, mas em vez disso têm estado a treinar e a preparar-se “para o que se está a viver e o ciclismo pós-covid-19”, conta à Lusa Rúben Pereira.
O diretor desportivo participou, ao lado do chefe de equipa Joni Brandão, numa entrega solidária de bens por parte da formação ao Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga e ao Hospital Dr. Francisco Zagalo, uma das iniciativas que a equipa desenvolveu neste período.
Rúben Pereira já começa a ver “a luz ao fundo do túnel, as coisas podem voltar a compor-se e voltar à competição o mais brevemente possível”, e apela à capacidade de o ciclismo português “conseguir reinventar-se”.
Também Manuel Correia fala em reinvenção no desporto em geral, enquanto o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Delmino Pereira, partilha da “grande preocupação” perante “uma dificuldade sem precedentes”, e a federação tem tentado “manter a comunidade estável” com a partilha de informação relevante para este período, com “uma onda de alguma forma positiva”.
O diretor da LA Alumínios – La Sport, Hernâni Broco, diz que “sem uma data certa, é mais difícil conjugar toda esta incerteza”, enquanto na equipa do Feirense, o diretor Joaquim Andrade explica à Lusa que se vive “um dia de cada vez, com esperança de que se possa correr até mais tarde do que o costume”.
Vidal Fitas, que dirige a Atum General – Tavira – Maria Nova Hotel, explica que o “problema disto é não se saber quando é que a economia volta a abrir”, porque “uma coisa é um mês e meio ou dois” de paragem, e outra “são quatro ou cinco meses”.
“Eu sou otimista e penso que acabaremos por dar a volta à situação. O facto de não termos uma data para recomeçar, não se saber quando as coisas vão passar, deixa-te inquieto, ansioso, e esse espírito, que afeta toda a gente, também nos afeta a nós”, acrescenta, revelando que também já se vislumbra, na equipa de Tavira, um futuro de regresso à estrada, depois de duas primeiras semanas “de choque”.
Por seu lado, na Miranda-Mortágua a situação vive-se “com bastante preocupação, não só com uma possível data de retoma da época como a nível da saúde”, e não há forma de “programar nada sem se saber quando se volta à estrada”.
“Isso complica-nos bastante, principalmente na parte psicológica e emocional dos corredores. Passou um mês sobre a última prova, estamos neste confinamento há coisa de três semanas, e parece que já passaram cinco meses”, desabafa Pedro Silva.
Nesta formação, afirma, o contacto é diário entre todas as partes e “uma vez por semana faz-se uma videochamada em grupo”.
“Estamos ali cerca de uma hora a falar uns com os outros, a expor problemas, a conviver. Faz muito bem ao estado emocional de todos. Já que não podemos estar juntos em provas ou treinos, estamos virtualmente a falar uns com os outros, a rirmo-nos, a falar de coisas mais e menos sérias”, expõe.