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Raúl Alarcón (W52-FC Porto) consumou hoje, com a segunda vitória na Volta a Portugal, a sua conversão no melhor ciclista do pelotão nacional, deixando definitivamente para trás os maus momentos, do desemprego à necessidade de lavar carros.

Alarcón é um tipo simples, ou “normal” como prefere dizer. À frente dos microfones, liga a cassete do politicamente correto, não arrisca sair do tom. Mas quando os gravadores se desligam, mostra-se humilde, divertido, grato pela disponibilidade e atenção dos outros, conta histórias da equipa e fala, com admiração, dos colegas, sempre com um sorriso rasgado, que, só à quinta etapa, quando o ‘irmão’ Rui Vinhas caiu, se apagou.

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Contudo, as aparências enganam, e o sempre impávido alicantino, que se assume como muito familiar, não é tão calmo como parece. “O Raúl é uma pessoa muito nervosa, quando alguém o ‘pica’, ele não tem calma nenhuma. Muitas vezes tenho de ser eu a meter-me ao meio para acalmá-lo. Ele perde a paciência muito facilmente. Tem um feitio muito próprio e, quando não gosta das coisas, amua bastante. Mas comigo não tem essa hipótese, porque lhe dou logo na cabeça”, revelou à agência Lusa Rui Vinhas.

Ainda assim, o vencedor da Volta de 2016 desfaz-se em elogios àquele que considera seu irmão, dizendo que o seu colega da W52-FC Porto é “uma pessoa dez estrelas”. “A maior qualidade é que é um verdadeiro amigo. Ele, por um amigo, dá tudo”, completou, revelando que o ‘gigante’ espanhol (quase 1,90 m) se perde pelos napoleões (também conhecidos por mil-folhas) de uma pastelaria em Valongo.

Muita coisa mudou na vida de Alarcón até chegar aqui. “Comecei nas bicicletas com 11, 12 anos. A minha família sempre gostou de ciclismo. Somos uns apaixonados pela modalidade e o meu tio já competia. Nessa altura, também jogava futebol, mas, quando tive de optar, percebi que o ciclismo me apaixonava mais e me assentava melhor”, contou à agência Lusa.

Em juvenil, deu nas vistas, com vitórias em várias provas nacionais, e sagrou-se vice-campeão de Espanha. A série de bons resultados conduziu-o à equipa de formação da Saunier Duval. “Estive lá dois anos, fiz boas temporadas, e passei muito jovem para o WorldTour, com 20 anos”. Mas o fim abrupto da equipa, causado pelos positivos por doping de Ricardo Riccò e Leonardo Piepoli na Volta a França de 2008, deixou-o no desemprego.

“Foi um golpe muito duro. Estares no mais alto do ciclismo e, de repente, baixares dois, três escalões de uma penada é bastante duro”, sublinhou. Só que o sempre combativo ciclista, nascido em Sax, a 25 de março de 1986, nunca se rendeu. Após uma breve passagem pela Comunidad Valenciana (2009), voltou a competir como amador. Em 2010, fez uma boa época, ganhou a Taça de Espanha, venceu o ‘ranking’ nacional, e várias corridas importantes.

“Nesse momento, pensei: ‘se não me surgir nenhuma proposta, é porque tenho de desistir do ciclismo’. O telefone acabou por tocar, com Carlos Pereira a convidá-lo para ingressar na Barbot-Efapel (2011 e 2012). Mas seria no Louletano-Dunas Douradas que finalmente acabaria por confirmar o potencial que outros lhe reconheciam. Naquele dia, em Gouveia, palco da primeira das suas vitórias na prova rainha do calendário nacional, chorou agarrado ao amigo Vinhas, o responsável por convencê-lo a integrar a fuga que lhe deu o triunfo na sétima etapa de 2013.

Àquele momento de glória, o seu primeiro no pelotão nacional, sucedeu-se novo momento de incerteza. No final de 2014, viu-se sem equipa e forçado a regressar à velha ocupação dos tempos de miúdo. “Tenho uns familiares que têm uma oficina de automóveis, onde há lavagem de carros. Desde pequeno que trabalhei lá. Quando és jovem, queres ganhar alguns tostões para não ter que pedir aos pais. Poupava o dinheiro e geria-o durante o ano para não ter de pedir. Mais recentemente, quando não renovei contrato com o Louletano, voltei lá, porque não sabia o que iria acontecer”.

O destino (e Rui Vinhas) acabou por colocá-lo na W52, versão Quinta da Lixa. Trabalhador de equipa, homens de fugas, foi convertido, em 2016, num potencial candidato à geral, algo que confirmou no ano passado com uma sucessão de resultados ‘inacreditáveis’: vitória na Volta às Astúrias à frente do colosso Nairo Quintana, e na prova rainha do calendário nacional.

Mas o azar voltou, este ano, a atrapalhar-lhe o futuro – duas quedas atrasaram-lhe a preparação e deixaram no ar dúvidas sobre a capacidade de conseguir defender o título.

O homem das patilhas, que é conhecido no pelotão por ‘El Caballo’ – “Olhem para mim. Como fico tão magro e sou muito grande, com as pernas tão finas, começaram a chamar-me assim aqui” – e ‘Máquina’, por ser um portento a trabalhar, não se deixou desanimar: trabalhou como sempre e, hoje, entrou no lote restrito de bicampeões da Volta a Portugal.

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